Quem conta um conto: Morte no divã

Eram 17:37. Hora de encerrar o expediente. Hora de encerrar a semana. Era uma sexta-feira.
Depois de um dia de mal estar, um braço formigando e uma pontada forte no peito a porta se abriu. Entrou sala a dentro um homem baixinho com veste finas brancas. Com olhar engraçado vindo de seus olhos redondos e semblante risonho fruto de sua cara redonda de bochechas grandes e uma careca que o deixava com a aparencia de um Monge Franciscano. Com uma voz pouco harmoniosa cheia de notas agudas disse:
– Dr. Frederico Oliveira, é chegada a hora.
Estuperfato com tamanha audácia daquela figura pitoresca respondeu:
– Como assim? Você não tem hora marcada e muito menos é meu paciente.
– Quem tem hora marcada aqui é você. Respondeu a figura que completou:
– Porque todos vocês se fazem de desentendidos na minha presença? Tenho que explicar milhões de vezes… se bem que já são mais de bilhões. Deixe eu me apresentar, Obitu Mors, muito prazer! Conhecido também como Morte, e venho levar sua alma comigo.
– Como sim a Morte?
– Isso, morte, ou se preferir óbito, falecimento, passamento ou ainda desencarne. Existem outras alegorias comuns para me definir o Anjo da Negro ou o meu favorito o famoso túnel com luminosidade branca ao fundo.
– Ah tá! Você a morte? – riu desdenhosamente – Mais parece o…
Antes que completasse a frase foi interrompido pelo estranho:
– Danny Devitto? É eu sei. Sempre a mesma coisa. Tento levar esse momento da melhor forma, mas parece que vocês gostam de sofrer. Que tal assim então? – neste momento o baixinho bateu com sua refinada bengala no chão e em um instante se transformou em uma figura de roupas longas e negras com as pontas puídas pelo tempo. A bengala deu lugar a uma grande foice com um cabo tortuoso de uma madeira muito escura pelo tempo. Olhos vermelhos pulsantes como fogo em uma face esquelética. Com uma voz tão grave quando o soar de uma trombeta perguntou:
– Satisfeito? Convencido do que lhe disse? Podemos fazem isso por bem ou dolorosamente. O senhor escolhe.
As forças faltaram nas pernas de Frederico. Caindo sentado sem reação na poltrona e murmurou olhando para o nada:
– Mas como? Assim? Sozinho? Sem me despedir? Isso não é justo!
– Depois conversamos sobre justiça. Voltando a sua forma inicial Obitu completou:
– Não é todo dia que faço a passagem de um psicólogo. Ainda mais um… espera um pouco enquanto consulto meus arquivos… – tirando do bolso um aparelho em formato de tablet – Ah! Achei. Doutor Especialista em traumas por morte. Ou seja, o seu trabalho é o meu trabalho! Ou o contrário, sei lá. A muito que espero por este momento! Ainda mais que minha última consulta foi quando um tal de Frode, quero dizer, Freud, mudou de dimensão. Podemos começar?
Neste momento o psicologo só reuniu forças para um acenar afirmativo de cabeça. Sem se fazer de rogado o inesperado paciente foi logo dizendo:
– Estou me sentindo pressionado! Quanto mais trabalho mais tenho o que fazer! Como esse povo tem morrido ultimamente! E o pior quase sempre tem alguém para reclamar e dizer que não fiz bem feito. Já reclamei com a Chefia que nestas condições não tem como.
– Mas quem seria essa tal “Chefia”?
– E quem seria? O Todo Poderoso, A Providência, O Divino. Sei lá qual o nome você prefere. Falando nisso vocês gostam de dar nomes as coisas.
– Deus? – perguntou o Dr.
– Se você quer chamá-lo assim que seja. Já pedi 2 estagiários. Se não chegarem até o fim desse século vou fazer greve! O problema que a classe é fraca. Afinal greve de um só nem é greve, é má vontade! Neste momento você deve estar se perguntando neste pensamento minúsculo de humano, como ele sozinho dá conta de fazer a passagem desse povo todo sem bagunçar o delicado equilíbrio do tempo? Eu gastei um bom tempo pensando nisso também, coisa de uns 8 séculos. Mas fim é simples. O engraçado é que precisou de um tal de Einstein morrer para me explicar isso! O tempo é relativo!
A Morte continuou seu discurso sobre como era difícil agradar a todos. O enfartado que comeu litros de gordura e não entende porque morreu. O jovem bêbado que capotou o carro acha injusto morrer tão novo. Mas no fundo o Dr. Frederico só pensava em um jeito de enganar a Morte e pouco ouvia o que ela dizia. Estava confiante, pois se achava muito esperto. Quanto mais a figura falava menos tinha esperança de conseguir.
– Então Dr. o que tem a me dizer? Perguntou ansioso.
– Acredito que não deva se cobrar tanto. Afinal você busca fazer o seu trabalho bem feito e não poderá mudar a todos. Ah! Quer saber? Não estava ouvindo bulhufas do que estava falando. Estava apenas pensando um jeito de lhe convencer a me deixar vivo. Mas eu desisto. Não tenho nenhum argumento que possa fazer isso.
O Dr. Frederico abaixou a cabeça entre os joelhos esperando pelos raios, trovões e foiçadas. Mas ouviu algo inesperado:
– Gostei da sinceridade. Faço uma aposta contigo. Te deixo em coma. Se 7 pessoas derramarem lágrimas sinceras pelo seu sofrimento eu lhe deixo viver até os 120 anos. Porém se isso não acontecer além de perder sua vaga no céu você descera direto para o inferno!
Então o analista sorriu! Afinal 7 pessoas sofrendo por sua causa deve ser fácil. Mas aos poucos foi fazendo as contas e percebeu que não seria tão fácil assim. Se lembrou que a muito desconfiava que sua mulher tinha um caso com o personal trainer e que talvez ficaria feliz em vè-lo morto. Lembrou-se também que sua filha adolescente disse várias vezes que o odiava e o queria morto. Como não falava com seu filho mais velho desde que o expulsou de casa era melhor não contar com ele. Não tinha pais vivos. Talvez a irmã cujo o marido vivia lhe pedindo dinheiro emprestado chorasse, não pela perda do irmão, mas pela perda da renda extra. Os amigos que sempre foram pouco se perderam a muito tempo, afinal ser um psicologo renomado tomava tempo, o que ele não tinha para perder em mesas de buteco. Chegando a essa lista diminuta não pensou duas vezes, encheu os pulmões com toda confiança e decretou:
– Melhor não arriscar! Afinal de contas depois trabalhar tão árduo era hora de um merecido descanso!

Ps.: Se você chegou até aqui merece um prêmio! Uma tirinha pra descontrair mais ainda!

Publicado em setembro 22, 2011, em Estórias pra boi dormir e marcado como , , , , , . Adicione o link aos favoritos. 1 comentário.

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